Neste último fim de semana, o Instituto da Cerveja Brasil (ICB) iniciou, em Brasília, a primeira edição do curso Avançado de Tecnologia Cervejeira na região Centro-Oeste. Alfredo Ferreira, um dos sócios do ICB, mestre-cervejeiro e com larga experiência em consultorias para cervejarias, ministrou a aula inaugural.
O curso faz parte da estratégia do Instituto de disseminar a educação cervejeira em lugares com grande potencial de crescimento do mercado de cervejas artesanais.
No próximo sábado, será a vez da turma do curso de Sommelier de Cervejas, o segundo realizado em Brasília pelo ICB.
Alfredo aproveitou sua estada na capital federal para conhecer cervejarias e bares especializados da região. Durante sua passagem pela Hop Capital, ele concedeu com exclusividade uma entrevista à Tribuna da Cerveja.
Na ocasião, estavam também presentes na cervejaria o autor do livro Larousse da Cerveja, Ronaldo Morado; Rogéria Xerxenevsky, coordenadora dos cursos do ICB em Brasília e sócia da Micro X e X Craft Beer; e Paulo César, sócio-proprietário da Hop Capital.
Quais as suas expectativas para o curso Avançado de Tecnologia Cervejeira em Brasília?
Graças à Rogéria (Rogéria Xerxenevsky), estamos trazendo o curso para Brasília, após termos formado várias pessoas em outras capitais. O curso de tecnologia é mais complexo e “pesado” que o de Sommelier de Cervejas, mas é fundamental, pois muito mais cervejarias irão surgir na região, demandando profissionais mais preparados.
Os alunos vão visitar quantas cervejarias ao longo do curso?
Serão quatro cervejarias: uma de grande porte e três pequenas. Assim, os alunos vão ter referência de como é diferente produzir em pequena e grande escala. A maior que visitaremos provavelmente será a Heineken, em Alexânia (GO). Nessas fábricas eles vão poder conhecer todo o processo de produção e equipamentos. O trabalho de conclusão será elaborar uma cerveja dentro de uma cervejaria.
Quais estilos serão feitos?
Iremos definir os estilos em conjunto com uma das cervejarias parceiras e com os alunos. Daremos um desafio para que eles utilizem um ingrediente ou técnica cervejeira diferente. Então, o estilo será definido e os alunos executarão a receita.
Qual a sua análise sobre o mercado cervejeiro em Brasília?
Estou conhecendo agora. Mas o mercado cervejeiro brasileiro como um todo está forte, em aquecimento. Temos em média 2,5 cervejarias novas surgindo por semana. Em Brasília dá para perceber que a cena cervejeira é forte.
Para fazer o curso de Tecnologia Cervejeira é preciso, no mínimo, fazer cerveja em casa?
Sim. A pessoa deve ter um mínimo de conhecimento de produção; fazer, ao menos, cerveja em casa, pois o nível de profundidade é maior do que, por exemplo, num curso de sommelier. É um curso avançado.
Você foi responsável pelo projeto dos equipamentos da cervejaria-escola do ICB. Esta fábrica já é utilizada para os alunos do curso de Tecnologia Cervejeira?
Sim. Temos uma cervejaria em Indaiatuba (SP), que foi construída em parceria com vários fornecedores de equipamentos. Os principais são Theodósio Randon, que forneceu o equipamento de brassagem; e a KHS, que forneceu o equipamento de envase. A fábrica foi projetada para ser referência no que diz respeito a processos de produção de cerveja. No local, treinamos os alunos que participam do curso no estado de São Paulo. Aqui em Brasília vamos utilizar cervejarias parceiras da região para fazer os mesmos treinamentos.
Na cervejaria vocês já utilizaram tanque de fermentação aberta para a produção de uma Weizenbier, não é isso? Como foi essa experiência?
É assim que é feito normalmente na Alemanha. Esse processo faz com que a levedura produza mais ésteres e torne a cerveja mais típica. No Brasil há poucos lugares que dispõem de um equipamento desses. Já produzimos algumas cervejas de fermentação aberta para os alunos perceberem sensorialmente como é o resultado e as diferenças em relação à fermentação tradicional. Para alguns estilos, fica bem interessante.
Alunos que formaram no curso podem produzir suas cervejas nesta cervejaria em Indaiatuba?
Em São Paulo – tanto na escola quanto na fábrica – os alunos fazem as práticas do curso e, no final, aqueles que já têm uma marca ou querem criar uma, podem usar a cervejaria para produzir sua cerveja de forma cigana. Há estrutura suficiente para a pessoa dar os primeiros passos, a fim de empreender no mercado cervejeiro.
Qual a capacidade de produção?
A fábrica de Indaiatuba foi projetada para 80 mil litros/mês, com 1.000 litros por brassagem.
Na última edição da Revista da Cerveja, o chef Ronaldo Rossi publicou o artigo Por que o mercado das cervejas especiais insiste em não crescer? A percepção dele é que, entre outros fatores, os próprios cervejeiros agem contra a chegada de novos consumidores, talvez pelo excesso de gourmetização ou glamourização da bebida. Qual a sua opinião a respeito?
Na realidade, o mercado está sim, crescendo. Temos 2,5 cervejarias surgindo por semana no Brasil. Isto quer dizer 120 cervejarias novas em 2018. O que acontece é que, mesmo com as novas cervejarias, a diferença de escala em relação às grandes é brutal. Portanto, demora para mudar em termos percentuais. Mas houve um crescimento de mais de 30% em volume nos últimos três anos. Quando olhamos o mercado como um todo, ainda é pouco, mas o mesmo processo ocorreu nos Estados Unidos. Acreditamos que, nos próximos anos, vamos chegar a 5%, até 10%, do market share em volume.
Os mestres-cervejeiros no Brasil já têm uma visão profissional do mercado ou ainda tendem a produzir apenas o que gostam?
Acho que existem os dois perfis de profissionais. Há vários novos empreendedores que têm o sonho de montar uma cervejaria para fazer o que faziam em casa, ou seja, cervejas com características sensoriais específicas, que eles apreciam mais. Por outro lado – e talvez seja minoria –, temos aqueles que são realmente profissionais. São pessoas bem preparadas, que estudam o mercado antes de montar a cervejaria, estudam os estilos que vendem mais, as regiões com maior potencial. Enfim, fazem um trabalho mais completo e sabem o que estão fazendo. Com o tempo veremos mais profissionalização no setor. Sem isso, sem conhecimento, é difícil que o negócio vá para frente.
Como a cerveja artesanal pode se posicionar para conquistar mercado, mesmo com a pressão das grandes indústrias?
As cervejas artesanais ainda têm muito espaço para conquistar. O caminho é a profissionalização, para conseguir estruturar fábricas realmente rentáveis e eficientes. Acho que o ponto principal é não querer vender sua cerveja no Brasil inteiro, inicialmente. Primeiro, desenvolva sua marca no mercado local. Esse é o melhor caminho. É o que chamamos de crescimento “casca de cebola”. É crescer aos poucos, regionalmente, para que tenha custo pequeno de logística e conquiste seu espaço. As grandes cervejarias, por mais que tenham grande potencial de penetração em todas as regiões, não vão ter a mesma força da pequena localmente. Outro aspecto é a qualidade do produto. A ideia é fazer cervejas com aromas e sabores totalmente diferentes do que os grandes grupos fazem, atraindo o público local para esse tipo de produto.
Qual a melhor estratégia para conquistar o consumidor que não conhece cerveja artesanal?
Para quem não conhece, não vale a pena servir de cara uma Russian Imperial Stout ou uma Lambic extremamente ácida, por exemplo. Tem de ir aos poucos, com estilos que possam ser mais facilmente aceitáveis no início. Somado a isso, é preciso ter educação e informação cervejeira. Quando o consumidor começar a entender aquilo que ele está tomando, logo irá aprender a gostar da bebida. Depois que aprende, é um caminho sem volta.