Em entrevista à Tribuna da Cerveja, Carlo Lapolli, Marta Ibañez e André Gomes mostram os projetos e ações da Abracerva para alavancar o setor de cervejas artesanais
Criada em 2013 em Blumenau (SC), a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) hoje está sediada em Brasília. Trata-se de uma instituição representativa do setor cervejeiro artesanal tanto no âmbito social quanto político, tendo importante atuação junto a órgãos e poderes públicos.
O objetivo é fazer com que as pautas relativas a esse segmento de mercado, principalmente no aspecto tributário, possam ter maior acolhida no cenário político. A aprovação do Simples Nacional para as micro e pequenas cervejarias foi um exemplo disso.
Mesmo abrangendo apenas 1% do mercado cervejeiro brasileiro, as cervejas artesanais empregam 10% da mão de obra na área. Portanto, surpreendem não apenas por suas características sensoriais enquanto produto, como também economicamente.
Aos poucos, mostram que têm força e potencial para abocanhar uma fatia bem mais expressiva de mercado, num movimento semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos.
Para se ter ideia, no final de 2017 havia 679 cervejarias registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), um número quase 40% superior ao registrado no ano anterior.
A Abracerva, por sua vez, também teve um crescimento significativo. De um grupo de cerca de 150 associados no final de 2017, a entidade hoje contabiliza mais de 400 membros, entre sommeliers, cervejarias, donos de bares e restaurantes, distribuidores, fornecedores de matérias-primas e apoiadores da causa cervejeira.
É neste cenário que o atual presidente da Abracerva, Carlo Lapolli, a coordenadora do Núcleo de Sommeliers da associação, Marta Ibañez, e o secretário executivo da entidade, André Gomes, receberam a Tribuna da Cerveja para um agradável bate-papo.
Na entrevista, o trio fala sobre a atuação da Abracerva no cenário político e na organização de iniciativas para movimentar a cena cervejeira.
Qual o principal papel da Abracerva?
Carlo Lapolli: Nosso principal papel é a interlocução política e governamental. A cerveja artesanal ainda sofre com a alta tributação. Portanto, nossa função é brigar por uma tributação mais justa. A gestão anterior já foi vitoriosa, ao conseguir incluir as cervejarias no Simples e temos de tirar o chapéu para isso. Mas temos muito ainda a conquistar.
Marta Ibañez: Esse é o principal papel, mas a Abracerva faz também a interlocução com o consumidor final. É um trabalho de formiguinha em todos os momentos, no dia a dia.
Carlo Lapolli: Criamos o Selo da Cerveja Artesanal Independente, para que as pessoas reconheçam a cerveja artesanal. Até o fato de ser entrevistado por causa da Abracerva ajuda nessa divulgação. E é realmente um de nossos papéis levar um pouco da história da cerveja artesanal para o público consumidor. Mesmo com um mercado ainda minúsculo, de 1%, conseguimos constantemente espaço na mídia. Porém, sabemos que muita gente ainda não conhece esse tipo de produto. Há quem tenha até vergonha de ficar perdido na escolha da bebida, em meio a tanta diversidade. Isto ocorria com o vinho. Hoje os pontos de venda têm sommeliers de vinho para estimular o consumidor a perder essa barreira de não saber o que comprar. Falta isso na cerveja.
Quantas cervejarias aderiram ao Simples Nacional?
Carlo Lapolli: Estamos fazendo o levantamento das cervejarias que aderiram ao Simples. Tive acesso aos números de Santa Catarina. Num universo de quase 50 cervejarias, 60% aderiram. Fábricas de médio porte, com alguma projeção nacional, estouram o limite de receita bruta anual para adequação ao Simples, de R$ 4,8 milhões. Por isso, ficam de fora. A proposta inicial era de que o limite fosse de R$ 14,4 milhões, para abarcar mais cervejarias. Além disso, o tributo mais caro que pagamos, o ICMS-ST (Substituição Tributária), não foi incluído no regime simplificado. Mas existe um projeto, já aprovado pelo Senado, que visa fazer essa inclusão.
André Gomes: A parte da tributação é fundamental justamente para podermos ter uma cerveja mais barata, o produto se popularize e o consumo aumente.
Marta Ibañez: As cervejarias têm muitas dúvidas em relação aos tributos, pois se trata de um assunto muito complexo. Fizemos um seminário em Belo Horizonte e uma especialista em tributação, Elizabeth Bronzeri, temeu que não houvesse interesse nesse tipo de tema. No entanto, foi a palestra com maior participação do público.
A Abracerva criou um Termo de Compromisso para ser assinado por candidatos comprometidos com a causa cervejeira. Qual o propósito dessa iniciativa?
Carlo Lapolli: O Termo de Compromisso tem basicamente um propósito: chamar atenção para a nossa pauta. Parte de deputados e senadores simpatizam com a nossa causa. Somos vistos como um setor da economia. As coisas avançam devagar, mas é importante ter esse tipo de posicionamento, com base em pautas, de maneira clara, transparente, buscando a adesão de candidatos, para podermos cobrar depois.
“Nossa função é brigar por uma tributação mais justa. A gestão anterior já foi vitoriosa, ao conseguir incluir as cervejarias no Simples. Mas temos muito ainda a conquistar”
Quais são as pautas constantes no Termo de Compromisso?
Carlo Lapolli: Basicamente é a melhoria da tributação e o combate à concorrência desleal. Entendemos que existe um hiato na legislação em relação a isso. Consequentemente, vemos práticas como compra de pontos de venda e exigência de exclusividade da marca. Quem tem mais dinheiro e poder econômico banca esse tipo de negócio e põe o seu produto na prateleira. Quem não tem, não pode participar da “brincadeira”. Nos Estados Unidos há várias sanções a esse tipo de comportamento e aqui não. Queremos uma regulação sobre esse tema.
André Gomes: Sabemos que quem tem esse poder são as grandes indústrias, que ganham não só em produção em escala, como também uma série de incentivos fiscais. Com isso, eles têm dinheiro em caixa para comprar pontos de venda, exigir exclusividade e tudo mais. Coisa que as pequenas cervejarias não têm. No entanto, geramos muito mais empregos por litro produzido que as grandes indústrias.
E como atrair o consumidor para as cervejas artesanais?
Carlo Lapolli: Todos já ouviram falar de cerveja artesanal, mas não provam por vergonha, talvez, ou por falta de dinheiro. Antigamente havia quatro ou cinco marcas de cerveja. Nossos pais foram catequizados a gostar apenas de uma marca, tal qual um time de futebol. É cultural. E para mudar isso, leva tempo.
Marta Ibañez: Estamos apenas começando a criar uma cultura cervejeira, mas esse processo já está em curso.
“Geramos muito mais empregos por litro produzido que as grandes indústrias”
Por que vale a pena se associar à Abracerva?
Carlo Lapolli: É importante que os pequenos se unam. Quando a cervejaria cria o consumidor para a sua marca, também leva esse consumidor para outras. Há uma sinergia muito grande entre as pequenas cervejarias. E o contato com a associação é fundamental para debater ideias, ver o que queremos, como conquistar novos mercados e agir coletivamente. É papel da associação ajudar a crescer esse setor.
Marta Ibañez: A cervejaria precisa do fornecedor, que precisa do ponto de venda, que precisa do sommelier, que também faz o seu trabalho na cervejaria para a obtenção de um bom produto e trazer mais clientes para todo o trade. É uma grande ciranda. E se não fizermos juntos, não iremos a lugar nenhum.
André Gomes: Precisamos nos unir por meio do associativismo. Enquanto lutamos pelas nossas pautas na Câmara, Senado e outros órgãos, os grandes grupos também buscam por incentivos e melhorias de seu interesse. É um trabalho contínuo. Não para nunca.
De que forma a Abracerva contribui para a educação cervejeira?
Carlo Lapolli: No Brasil existem várias escolas e cursos de muita qualidade, alguns até associados da Abracerva. O País é, talvez, um dos cinco melhores do mundo em educação cervejeira. A Abracerva realiza um papel suplementar ao das escolas. Fizemos o Congresso Técnico de Sommeliers em Pirenópolis (GO) e organizamos um Workshop Técnico em Belo Horizonte com conteúdo multidisciplinar. Temos também a intenção de fazer um festival cervejeiro nacional, mas ainda não está definido. É difícil, caro e envolve muita logística.
André Gomes: Este ano optamos pelo concurso Copa Cerveja Brasil, que envolve apenas cervejarias artesanais independentes. Em decorrência desse concurso surgiu a ideia da Semana da Cerveja Independente, prevista para ocorrer de 12 a 21 de outubro, com várias atividades. De 17 a 19 de outubro teremos o julgamento das amostras e, no dia 20, a festa de premiação.
Marta Ibañez: Queremos mostrar não só que existe produção de qualidade em Brasília, como também chamar a atenção do Brasil para a cerveja artesanal.
André Gomes: Já que Brasília será anfitriã, vamos mostrar as cervejarias atuantes aqui, pois muita gente não conhece. Quando falamos que temos fábricas e mais de 20 marcas ciganas, as pessoas se surpreendem. Vamos fazer esse tipo de ação em outros estados também. A intenção da Abracerva é em âmbito nacional, mostrar que no País inteiro tem algo acontecendo em relação à cerveja artesanal.
“O Brasil é, talvez, um dos cinco melhores do mundo em educação cervejeira”
Quantos estão inscritos na Copa Cerveja Brasil?
Carlo Lapolli: Temos cerca de 140 cervejarias inscritas e umas 400 amostras. As inscrições vão até 30 de setembro. Mais de 50 juízes de todo o Brasil estarão em Brasília para julgar o concurso.
Marta Ibañez: Convidamos juízes com experiência consolidada em concursos nacionais e internacionais. Abrimos espaço também para outros que são muito preparados, mas não tiveram oportunidade de participar de um concurso desse porte. Já durante a Semana da Cerveja Independente teremos desde lançamentos de cervejas a atividades de degustação e harmonização.