Em 2008, Kathia Zanatta, do Instituto da Cerveja Brasil (ICB), tornou-se a primeira sommélier de cervejas do Brasil. Chega a ser surpreendente que, em menos de 10 anos, tenha havido um crescimento tão vertiginoso do mercado de cervejas artesanais e cursos dedicados a formar novos especialistas, seja mestres cervejeiros ou somméliers. Leandro Ururahy é um desses vários profissionais surgidos do boom do cenário cervejeiro.
No segundo semestre de 2015, fez o respeitado curso de sommélier de cervejas no Senac de Copacabana, no Rio de Janeiro, com certificação da Doemens Akademie, instituição de Munique, Alemanha. De apreciador de boas brejas a especialista, foram necessárias 100 horas de curso, período em que pôde mergulhar pra valer na história, estilos, serviço e harmonizações da bebida mais popular do planeta.
Em Brasília, atua como sommélier no I Love Beer – Tap House. Trata-se de um dos pouquíssimos estabelecimentos da capital federal a contar com um profissional dedicado a orientar o cliente sobre os estilos de cerveja e possíveis harmonizações. Também cabe a ele fazer análise sensorial do produto, a fim de que chegue em perfeitas condições ao consumidor.
Nesta entrevista ao Tribuna da Cerveja, Leandro Ururahy fala um pouco sobre o seu trabalho e perspectivas da profissão.
Qual a importância do curso para melhor conhecimento da bebida e da cultura cervejeira?
O curso abriu muitos horizontes para mim, ajudando a aprimorar meus atributos em análise sensorial. Já era um apreciador de cervejas especiais, conhecia vários rótulos, mas o curso permitiu um novo olhar sobre o tema.
Como descobriu esse universo das cervejas?
Pura curiosidade. Todos meio que começaram desta forma, primeiro experimentando as alemãs, de trigo; depois, mais rótulos importados chegaram ao país. Então, veio o boom das microcervejarias brasileiras.
Quais os principais desafios da profissão?
Acho que um dos principais desafios é disseminar a cultura cervejeira, mostrar para o cliente que existem outras vertentes da bebida que podem ser agradáveis; quebrar o paradigma de que a cerveja se resume apenas aos produtos mainstream. Aqui, no I Love Beer, temos um microrretrato do que já ocorre globalmente no Brasil. Surgem, a cada dia, mais pessoas propensas a experimentar e se aprofundar no assunto. O segundo desafio é a harmonização da cerveja com as refeições. Sinto que ainda não há uma demanda por parte do cliente, nesse quesito. Ele raramente questiona esse tipo de coisa. Em geral, pede uma orientação sobre os produtos que tenho; no caso, são 30 torneiras de chope, de variados estilos. Mas queremos implementar essa questão da harmonização aos poucos, como já fizemos no Degusta Perro.
É importante que o sommélier de cervejas tenha também noções de outras bebidas?
Com certeza. Dou um exemplo muito básico. O vinho xerez, que não é muito consumido no Brasil, tem um aroma peculiar, muito presente, por exemplo, nas cervejas Stout. No meu trabalho, é importante ter essa referência de outras bebidas, além de frutas, especiarias, entre outros elementos.
Um dos seus trabalhos consiste em detectar off-flavors?
Sim, acontece. Trabalhamos com produtos que têm vida útil, que está sujeito a variações, dependendo do equipamento e do processo de transporte e armazenamento. Sempre tenho que monitorar a presença de possíveis anomalias na cerveja. Mas é preciso conhecer bem os estilos e saber que, em alguns deles, é até aceitável a presença de diacetil, por exemplo.
Poderia dar algumas dicas para escolher uma boa cerveja?
Eu parto da premissa de que não existe cerveja ruim. O papel dela é cumprir com as expectativas de quem está comprando, independentemente do nível de conhecimento. Para quem quiser se aprofundar, a ideia é tentar perceber as características que mais lhe agradam, como dulçor do malte, a presença de notas cítricas, a torra do malte que remete a café e por aí vai. Se você se interessa, faça essa experiência sem medo de errar. Já comprei muita cerveja que, de início, não havia gostado; hoje, entendo e aprecio.
Em Brasília não vemos muitos somméliers de cerveja atuantes no mercado. A disseminação da cultura cervejeira na capital ainda está muito incipiente?
Sim, mas já existe um trabalho de sensibilização nos bares especializados. Acredito também que chefs renomados, em restaurantes, podem ajudar nesse processo, implementando cartas de cervejas nos cardápios e sugestões de harmonização, para que os clientes tenham uma experiência gastronômica. Acho que temos muito a caminhar. É algo que precisa ser trabalhado com insistência, a fim de que o público se acostume com essa tendência. Além disso, a cerveja, comparada ao vinho, ainda é vista, por grande parte da população, como algo mais popular, para se tomar em grandes quantidades, o que vai de encontro com a premissa da cerveja especial, cujo propósito é ser um produto de qualidade, para ser degustado. Aos poucos, as pessoas estão aprendendo a degustar essas cervejas, aprendendo o seu valor enquanto bebida. A harmonização é um próximo passo que, creio eu, vai se tornar mais comum.