Brasília pode, sim, virar um polo cervejeiro. É um trabalho de formiguinha, sem dúvida. A começar pela superação dos entraves burocráticos. Do lado de cá, cervejeiros do DF ávidos em regulamentar sua produção; de lá, o governo e os caminhos tortuosos que envolvem a legalização de um negócio. Mas e quando o próprio Governo do Distrito Federal chama os atores do setor para uma conversa e sinaliza que há, sim, possibilidade de mudança?
Pois foi isso que ocorreu nesta terça-feira. O Secretário Adjunto do Trabalho, Thiago Jarjour, fez um convite a todos os interessados no mercado cervejeiro para uma reunião, a fim de entender as demandas principais dos envolvidos. O evento ocorreu no auditório do Edifício Guanabara, no Setor Comercial Sul.
Nomes como Eduardo Golin, da Corina; Júlio Moura, da cervejaria Lobo Guará; Marco Aurélio, da Máfia Beer; Fabio Bakker, da Criolina; Alexandre Braz, da Braz Bier, entre outros, compareceram para apresentar suas reivindicações. Eles citam, por exemplo, dificuldades do governo em tratar diferenciadamente grandes e pequenos produtores, indisponibilidade de áreas próximas ou dentro do Plano Piloto para implantação desse tipo de negócio e o dilema dos brew pubs, que não vingam em Brasília por falta de legislação adequada.
Dipova
Além de Jarjour, outros representantes de secretarias do GDF também marcaram presença. Foi o caso de Athaualpa Nazareth Costa, diretor da Diretoria de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal e Animal (Dipova), órgão da Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri).
Segundo ele, toda a fiscalização e regulação de bebidas estão a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). “Estamos negociando com o ministério a possibilidade de alteração na legislação, para que estabelecimentos de bebidas de pequeno porte possam ser fiscalizadas pela Dipova”.
Alguns problemas precisam ser sanados, como definir limites para enquadrar esses empreendimentos como “pequeno porte” e qualificar os agentes do órgão, que ainda não estão capacitados a atuar em inspeção de bebidas.
Processo lento
Charles Dayler, que é coordenador de licenciamento ambiental de indústrias, serviços e postos de combustível no Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal (Ibram), reconhece a lentidão nos trâmites burocráticos – em especial do próprio Ibram –, para quem deseja conseguir regulamentar a produção cervejeira.
“Em Goiás, esse processo é mais rápido”, diz Dayler, que também é engenheiro agrônomo e responsável técnico de um alambique em Alexânia (GO). “Vamos começar no Ibram uma discussão para rever algumas de nossas resoluções e enquadramentos de empreendimentos para fins de licenciamento”, anuncia.
Lei de Uso e Ocupação do Solo
Durante o debate, o cervejeiro Eduardo Golin, da Corina, chamou a atenção sobre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT), que traz restrições à implantação de cervejarias no DF, impondo sua localização longe do Plano Piloto.
Patrícia Fleury, assessora especial da Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth), admite que a legislação atual não cria possibilidades para a abertura de cervejarias em áreas centrais. “Vocês são tratados como indústrias e, por esta razão, são levados a regiões industriais, locais nem sempre muito apropriados, dependendo do tipo de negócio que se quer iniciar”.
Apesar disso, ela acredita que a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), em desenvolvimento na Segeth, poderá trazer avanços importantes, nesse sentido. “Esta lei, que é submetida à PDOT, substituirá toda a legislação específica de cada Região Administrativa. Trata-se de uma norma construída em conjunto com a sociedade civil, muito mais permissiva e menos restritiva”, frisa.
As cervejarias, de acordo com a assessora, continuarão a ser classificadas como indústrias, mas haverá maior flexibilidade quanto a possíveis locais de instalação, incluindo avenidas comerciais. “É preciso que vocês opinem sobre o tema e se manifestem em relação às suas demandas”, declara, acrescentando que a LUOS deverá ser enviada à Câmara Legislativa para discussão e votação já no início de 2017.
Contribuições
Vale destacar que os próprios cervejeiros já enviaram, neste semestre, importantes sugestões para o aperfeiçoamento da LUOS, como já noticiou o Tribuna da Cerveja, na época. Tiago França, Tatiana Rotolo e Morris Scherer encabeçaram o movimento, que contou com cerca de 400 contribuições. “Tenho um levantamento sobre os vários percalços para se montar um negócio cervejeiro no DF. Nossa primeira mobilização foi em torno da LUOS. A aprovação dessa lei será boa, pois deixará claro ao empreendedor quais lugares são passíveis de instalar sua empresa”, afirma Tiago.
Ele também citou outros aspectos, como o licenciamento ambiental, o impacto tributário e as diferenças entre os empreendimentos do setor, como microcervejarias e brew pubs, que devem ter tratamentos distintos, devido às características peculiares de cada um.
Tributação
Para Ronaldo Morado, que presidiu a cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), por dois anos e é autor da famosa obra Larousse da Cerveja, o grande gargalo do setor cervejeiro – não só no DF – está na tributação. “É preciso haver tratamentos tributários diferenciados para cada tipo de negócio, senão não haverá empresários investindo”, alerta. “Quando eu assumi a Colorado, a empresa tinha 16 anos de existência e nunca tinha dado lucro, mesmo fabricando quase 200 mil litros por mês. Acabamos vendendo para a Ambev”.
Eduardo Golin completa: “Não acho que o registro no MAPA seja o principal problema do setor cervejeiro, mas dificuldades em relação à burocracia do GDF, plano diretor e tributos, pois, com 31% de ICMS, fica quase inviável ter cervejaria competitiva fora daqui. Se você quiser mandar uma Pale Ale para São Paulo, esqueça, pois ficará mais cara que uma Double IPA de uma cervejaria local”.
Grupo de trabalho
Após intenso debate, Thiago Jarjour anunciou a criação de um grupo de trabalho e novos encontros para a discussão das demandas. “Já tomei iniciativa similar para regulamentar os food trucks e o Uber. Queremos o mesmo aqui”, declara. O secretário solicitou, contudo, o envio de propostas já formalizadas com as principais reivindicações e sugestões.
Para isso, os cervejeiros montaram um grupo no WhatsApp, sob a coordenação de Tiago França. Pequenas equipes foram formadas para desenvolver temas específicos, como “assuntos legislativos”, “meio ambiente”, “tributação”, entre outros.
Acompanhe mais notícias em breve, aqui, pelo Tribuna da Cerveja.
* Fotos: Euller Barros, do blog Cinema e Cerveja.